Vou começar aqui uma série de artigos sobre o "Individualismo Brasileiro". São capítulos de um livro que estou escrevendo e no qual analiso os fenômenos de nossa cultura que considero revelantes ao nosso "atraso". Vou começar especificamente pelo ato de atrasar, característica do povo brasileiro. Vamos lá.
A CULTURA DO ATRASO. OU O ATRASO DA CULTURA?
Meu caminho pro trabalho
É um pouco mais comprido
Eu vou sempre pela praia
Que é muito mais divertido
Chego sempre atrasado
Mas eu não corro perigo
Quem devia dar o exemplo
Chega atrasado comigo
E diz:...
Soy Latino Americano
E nunca me engano
E nunca me engano
(Soy Latino Americano- Zé Rodrix)
Na minha terra diz-se de um sujeito ignorante, analfabeto, retardado mental, que ele é atrasado. É implícita a relação entre ser e estar atrasado. Atrasados estamos, atrasados somos. Atrasar e ser atrasado são propriedades de brasileiros.
Mal comparando, dizem que a pontualidade é o grande orgulho inglês simbolizado pelo Big Ben, a torre do palácio de Westminster, desde 1859 a marcar a hora do mundo. Pontualidade: britânica. Atraso: brasileiro.
Há controvérsias? Um amigo meu costuma contar que o pontual hábito britânico é oriundo dos primeiros tempos dos relógios de bolso. Àquela época, não sabe ele precisar qual, denotava-se a classe social pela posse dos acorrentados cebolões. Os que não os possuíam levavam apenas a correntinha(sinal corrupto de nobreza) atada à coleira dos bolsos, ou simplesmente “chegavam no horário”, sinal inequívoco de que possuíam a jóia rara do tempo exato, sem, no entanto, precisar exibi-la.
O mesmo amigo postulou também que a impontualidade brasílica data da mesma época, mas por motivos diversos. Creiam-me, não dou fé, mas reproduzo.
Sem dinheiro suficiente para adquirir tais relógios, os brasileiros tinham seus horários demarcados pelos sinos das igrejas, a relembrá-los de amar a Deus e de que a missa ia começar. Aos pagãos e excomungados, o atraso, Deus aos pontuais.
O atraso, anti-fé, pagão, subversivo.
Sendo que uns dão por verídicos os relatos e outros não, melhor é apenas constatar o fato de que, por algum motivo, ficamos nós os atrasados e eles os pontuais.
Certa vez eu passava férias no litoral da Bahia e ao ler meu jornal no banco da praça ouvi o seguinte diálogo entre dois jovens enamorados:
- Estou aqui desde as sete, você marcou comigo às oito , já são nove e meia, e só agora chega, disse o rapaz, estremecido, à amada
Ao que ela, sem nenhum decoro, respondeu irada: -você acha certo a mulher chegar no horário?
Não, claro, nem a mulher e nem o homem, em sendo no Brasil.
Uma vez vi uma charge num jornal. uma plantinha, pequena, atada a uma corda, que ia até o pescoço de um jovem, fazendo uma forca. O jovem, com um regador jogando água na plantinha, chorava. O subtítulo abaixo: suicídio de Baiano.
Antes que me enforquem, a Bahia, um de nossos cartões postais, somente herdou este rótulo de preguiça, atraso, etc... Na verdade, somos todos, sem exceção, os que aqui moramos e nascemos, atrasados.
Tão certo quanto existir o horário é o brasileiro chegar fora dele.
Entre nós há os especialistas em chegar atrasados, os especialistas em chegar quase no horário, e os especialistas em chegar atrasados ao atraso. Explico.
Se a hora marcada é quatorze, nós, brasileiros atrasados, já sabemos que é para chegar às quatorze e trinta, mas há os que preferem chegar às quatorze e quarenta e cinco, prevendo que tudo será retardado por trinta minutos e....até começar....
Conhecem, nas famílias, as histórias daquele parente...pontual? Como ele virou motivo de chacota. Que cara chato! Cobrando horário de todos. Um brasileiro sem vergonha. Ora, vá morar em Londres.
Existe, sim, um horário que se respeita: o das repartições públicas.
Se precisar de um documento na prefeitura, na receita federal, na secretaria de saúde, desista. Jamais estarão abertos à hora combinada, que aliás está sempre afixada à porta principal, mas se você chegar às dezesseis e hum já encontrará fechadas todas as portas. Pelo menos em algum momento somos pontuais. As multas também nunca atrasam(sejam as municipais, estaduais ou federais), mas isso é em qualquer país. Casamentos também não se atrasam. Por isso é que o padre vai logo dizendo aos noivinhos: não façam sexo antes do casamento. Implícito: senão a cerimônia pode atrasar. As missas e os casamentos, pelo menos, continuam pontuais.
Haveria alguma relação entre o atraso e o individualismo brasileiro? Eu estou certo de que sim. A lógica inconsciente de quem atrasa é: eles me esperarão para começar. Seu narcisismo( e o dos outros) lhe proporciona a chance de acertar. Eles não começarão sem mim, pensa ele. Ou um pouco mais adiante: não me importo de que comecem antes, só ouvirei o que me interessa. E se eu chegar no meio da aula? Ah, não me importo, estou no meu direito.
Dispor do tempo do outro se relaciona a um exercício de poder. Tudo começa só depois que o “chefe” chegar. O médico que chega ao consultório só depois da sala de espera estar cheia, para dar a impressão de que tem muitos clientes, revela seu poder sobre eles. O presidente da empresa que chega atrasado demonstra o quanto é ocupado. A namorada que chega atrasada para aumentar o desejo( e o ciúme) do namorado , o time de futebol que entra atrasado em campo para mostrar superioridade ao adversário(como se já saísse ganhando ao entrar depois, sendo a lógica: eu o fiz esperar por mim, ou, eu não estou nem aí prá você).
Há um outro aspecto relevante do atraso. Os brasileiros chegamos depois e saímos antes. É impressionante a cara de pau com que nos levantamos de uma sala de aula repleta e passamos no meio de todos rumo à porta de saída quando o professor ainda está em pleno processo de argumentação. Isto é como uma água fria jogada contra a sua auto-estima. Mas não nos importamos. Soberbos, passamos, vamos embora. Amanhã será a nossa vez, mas continuaremos fazendo o mesmo.
A cultura do atraso é pano de fundo do atraso da cultura. No respeito ao direito do outro: ver cumprido o horário, de não faltar aos compromissos agendados.
Da cultura do atraso, a meu ver, decorrem todos os demais atrasos do nosso desenvolvimento. É como se fôssemos cheios de “buracos” culturais, os quais teríamos que ir aterrando até conseguirmos passar a um novo estágio de evolução. Conseguiremos, um dia?
Antes do final deste artigo me dei conta que estou redondamente enganado. Desculpem-me a falha. Em verdade não somos atrasados os brasileiros. Somos na verdade, o povo mais pontual do mundo. Acontece que o nosso atraso é pontual. Confuso; explico.
Se o aniversário está marcado para as dezoito horas, todos chegarão pontualmente às vinte horas. Se o churrasco é para as onze, todos chegarão às treze. Se a conferência é às vinte, todos chegarão às vinte e uma. O que fazemos, então? Marcamos tudo para duas horas antes, sabendo a que horas chegarão os convidados: no atraso pontual. Realmente é absolutamente esquizofrênico.
A CULTURA DO ATRASO. OU O ATRASO DA CULTURA?
Meu caminho pro trabalho
É um pouco mais comprido
Eu vou sempre pela praia
Que é muito mais divertido
Chego sempre atrasado
Mas eu não corro perigo
Quem devia dar o exemplo
Chega atrasado comigo
E diz:...
Soy Latino Americano
E nunca me engano
E nunca me engano
(Soy Latino Americano- Zé Rodrix)
Na minha terra diz-se de um sujeito ignorante, analfabeto, retardado mental, que ele é atrasado. É implícita a relação entre ser e estar atrasado. Atrasados estamos, atrasados somos. Atrasar e ser atrasado são propriedades de brasileiros.
Mal comparando, dizem que a pontualidade é o grande orgulho inglês simbolizado pelo Big Ben, a torre do palácio de Westminster, desde 1859 a marcar a hora do mundo. Pontualidade: britânica. Atraso: brasileiro.
Há controvérsias? Um amigo meu costuma contar que o pontual hábito britânico é oriundo dos primeiros tempos dos relógios de bolso. Àquela época, não sabe ele precisar qual, denotava-se a classe social pela posse dos acorrentados cebolões. Os que não os possuíam levavam apenas a correntinha(sinal corrupto de nobreza) atada à coleira dos bolsos, ou simplesmente “chegavam no horário”, sinal inequívoco de que possuíam a jóia rara do tempo exato, sem, no entanto, precisar exibi-la.
O mesmo amigo postulou também que a impontualidade brasílica data da mesma época, mas por motivos diversos. Creiam-me, não dou fé, mas reproduzo.
Sem dinheiro suficiente para adquirir tais relógios, os brasileiros tinham seus horários demarcados pelos sinos das igrejas, a relembrá-los de amar a Deus e de que a missa ia começar. Aos pagãos e excomungados, o atraso, Deus aos pontuais.
O atraso, anti-fé, pagão, subversivo.
Sendo que uns dão por verídicos os relatos e outros não, melhor é apenas constatar o fato de que, por algum motivo, ficamos nós os atrasados e eles os pontuais.
Certa vez eu passava férias no litoral da Bahia e ao ler meu jornal no banco da praça ouvi o seguinte diálogo entre dois jovens enamorados:
- Estou aqui desde as sete, você marcou comigo às oito , já são nove e meia, e só agora chega, disse o rapaz, estremecido, à amada
Ao que ela, sem nenhum decoro, respondeu irada: -você acha certo a mulher chegar no horário?
Não, claro, nem a mulher e nem o homem, em sendo no Brasil.
Uma vez vi uma charge num jornal. uma plantinha, pequena, atada a uma corda, que ia até o pescoço de um jovem, fazendo uma forca. O jovem, com um regador jogando água na plantinha, chorava. O subtítulo abaixo: suicídio de Baiano.
Antes que me enforquem, a Bahia, um de nossos cartões postais, somente herdou este rótulo de preguiça, atraso, etc... Na verdade, somos todos, sem exceção, os que aqui moramos e nascemos, atrasados.
Tão certo quanto existir o horário é o brasileiro chegar fora dele.
Entre nós há os especialistas em chegar atrasados, os especialistas em chegar quase no horário, e os especialistas em chegar atrasados ao atraso. Explico.
Se a hora marcada é quatorze, nós, brasileiros atrasados, já sabemos que é para chegar às quatorze e trinta, mas há os que preferem chegar às quatorze e quarenta e cinco, prevendo que tudo será retardado por trinta minutos e....até começar....
Conhecem, nas famílias, as histórias daquele parente...pontual? Como ele virou motivo de chacota. Que cara chato! Cobrando horário de todos. Um brasileiro sem vergonha. Ora, vá morar em Londres.
Existe, sim, um horário que se respeita: o das repartições públicas.
Se precisar de um documento na prefeitura, na receita federal, na secretaria de saúde, desista. Jamais estarão abertos à hora combinada, que aliás está sempre afixada à porta principal, mas se você chegar às dezesseis e hum já encontrará fechadas todas as portas. Pelo menos em algum momento somos pontuais. As multas também nunca atrasam(sejam as municipais, estaduais ou federais), mas isso é em qualquer país. Casamentos também não se atrasam. Por isso é que o padre vai logo dizendo aos noivinhos: não façam sexo antes do casamento. Implícito: senão a cerimônia pode atrasar. As missas e os casamentos, pelo menos, continuam pontuais.
Haveria alguma relação entre o atraso e o individualismo brasileiro? Eu estou certo de que sim. A lógica inconsciente de quem atrasa é: eles me esperarão para começar. Seu narcisismo( e o dos outros) lhe proporciona a chance de acertar. Eles não começarão sem mim, pensa ele. Ou um pouco mais adiante: não me importo de que comecem antes, só ouvirei o que me interessa. E se eu chegar no meio da aula? Ah, não me importo, estou no meu direito.
Dispor do tempo do outro se relaciona a um exercício de poder. Tudo começa só depois que o “chefe” chegar. O médico que chega ao consultório só depois da sala de espera estar cheia, para dar a impressão de que tem muitos clientes, revela seu poder sobre eles. O presidente da empresa que chega atrasado demonstra o quanto é ocupado. A namorada que chega atrasada para aumentar o desejo( e o ciúme) do namorado , o time de futebol que entra atrasado em campo para mostrar superioridade ao adversário(como se já saísse ganhando ao entrar depois, sendo a lógica: eu o fiz esperar por mim, ou, eu não estou nem aí prá você).
Há um outro aspecto relevante do atraso. Os brasileiros chegamos depois e saímos antes. É impressionante a cara de pau com que nos levantamos de uma sala de aula repleta e passamos no meio de todos rumo à porta de saída quando o professor ainda está em pleno processo de argumentação. Isto é como uma água fria jogada contra a sua auto-estima. Mas não nos importamos. Soberbos, passamos, vamos embora. Amanhã será a nossa vez, mas continuaremos fazendo o mesmo.
A cultura do atraso é pano de fundo do atraso da cultura. No respeito ao direito do outro: ver cumprido o horário, de não faltar aos compromissos agendados.
Da cultura do atraso, a meu ver, decorrem todos os demais atrasos do nosso desenvolvimento. É como se fôssemos cheios de “buracos” culturais, os quais teríamos que ir aterrando até conseguirmos passar a um novo estágio de evolução. Conseguiremos, um dia?
Antes do final deste artigo me dei conta que estou redondamente enganado. Desculpem-me a falha. Em verdade não somos atrasados os brasileiros. Somos na verdade, o povo mais pontual do mundo. Acontece que o nosso atraso é pontual. Confuso; explico.
Se o aniversário está marcado para as dezoito horas, todos chegarão pontualmente às vinte horas. Se o churrasco é para as onze, todos chegarão às treze. Se a conferência é às vinte, todos chegarão às vinte e uma. O que fazemos, então? Marcamos tudo para duas horas antes, sabendo a que horas chegarão os convidados: no atraso pontual. Realmente é absolutamente esquizofrênico.
Comentários
Postar um comentário