Para os amantes da poesia Carlos Drummond de Andrade é um prato maravilhoso. Drummond é profundo, é enigmático, é incisivo. Seu ponto é exato, como a guitarra de George Harrison, a concisão de Machado de Assis(perdoem-me os exemplos tão díspares, mas foram os que me ocorreram nesse momento). Mesmo quando estamos diante de um suposto Drummond menor, somos surpreendidos. Vou dar um exemplo: encontra-se no livro A PAIXÃO MEDIDA, um dos que mais gosto.
Leio o poema O SÁTIRO e o acho bobo, grosseiro, indigno de Drummond. Mas acontece que trabalho com violência sexual. Sou médico e atendo à mulheres em situação de violência sexual e doméstica todos os dias. De repente, o poema de Drummond soa como uma bomba para mim. Corro ao dicionário e a minha suspeita se personifica. É um poema simbólico, tem uma dimensão maior. Vou escrevê-lo abaixo e tentar explicar a dimensão que consigo ver nele.
O SÁTIRO
Carlos Drummond de Andrade(do livro A Paixão Medida)
Hildebrando insaciável comedor de galinha.
Não as comia propriamente- à mesa.
Possuía-as como se possuem
e se matam mulheres
Era mansueto e escrevente de cartório
Daí o dicionário me dá os seguintes significados, que me ajudam a ampliar a visão do poema.
SÁTIRO: Semideus da mitologia grega, metade homem, metade bode, que habitava as florestas e tinha hábitos lascivos. Indivíduo devasso, libidinoso.
SÁTIRA: Composição poética que ridiculariza, denuncia ou censura defeitos ou vícios de uma pessoa ou de uma época.
SATIRÍASE: Desvio sexual daquele que usa as mulheres apenas como objetos sexuais
MANSUETO: Diz-se daquele amante que sufoca as mulheres
E agora? Começam a ver o poema de forma diferente?
Alguns habitantes de Itabira garantem que Hildebrando existiu e que teria ficado com ódio de Drummond após a publicação. Drummond pode ser usado a figura deste sátiro, mansueto escrevente de cartório, para revelar a sua repúdia a estes homens que usam as mulheres como galinhas. Vejam a idéia. Quando se come galinha(sexualmente) invariavelmente elas morrem. Quando se come mulheres(por estupro, como é o da galinha) elas também morrem, psicologicamente. Não há forma melhor de matar uma mulher psiquicamente do que estuprá-la, penetrar violentamente no mais íntimo de seu ser. Muitas vezes esses estupradores são homens acima de qualquer suspeita...um...escrevente de cartório....por exemplo...pacato e honesto. O símbolo é forte. Por isso Drummond experimentou a linguagem bruta, incomodativa.
Um gênio.
Do mesmo livro gosto também de A FOLHA. Transcrevo abaixo. Deliciem-se
A FOLHA
A natureza são duas.
Uma,
tal qual se sabe a si mesma.
Outra, a que vemos. Mas vemos?
Ou é ilusão das coisas?
Quem sou eu para sentir
o leque de uma palmeira?
Quem sou eu para ser senhor
de uma fechada, sagrada
arca de vidas autônomas?
A pretensão de ser homem
e não-coisa ou caracol
esfacela-me em frente à folha
que cai, depois de viver
intensa, caladamente,
e por ordem do prefeito
vai sumir na varredura
mas continua em outra folha
alheia a meu privilégio
de ser mais forte que as folhas.
Leio o poema O SÁTIRO e o acho bobo, grosseiro, indigno de Drummond. Mas acontece que trabalho com violência sexual. Sou médico e atendo à mulheres em situação de violência sexual e doméstica todos os dias. De repente, o poema de Drummond soa como uma bomba para mim. Corro ao dicionário e a minha suspeita se personifica. É um poema simbólico, tem uma dimensão maior. Vou escrevê-lo abaixo e tentar explicar a dimensão que consigo ver nele.
O SÁTIRO
Carlos Drummond de Andrade(do livro A Paixão Medida)
Hildebrando insaciável comedor de galinha.
Não as comia propriamente- à mesa.
Possuía-as como se possuem
e se matam mulheres
Era mansueto e escrevente de cartório
Daí o dicionário me dá os seguintes significados, que me ajudam a ampliar a visão do poema.
SÁTIRO: Semideus da mitologia grega, metade homem, metade bode, que habitava as florestas e tinha hábitos lascivos. Indivíduo devasso, libidinoso.
SÁTIRA: Composição poética que ridiculariza, denuncia ou censura defeitos ou vícios de uma pessoa ou de uma época.
SATIRÍASE: Desvio sexual daquele que usa as mulheres apenas como objetos sexuais
MANSUETO: Diz-se daquele amante que sufoca as mulheres
E agora? Começam a ver o poema de forma diferente?
Alguns habitantes de Itabira garantem que Hildebrando existiu e que teria ficado com ódio de Drummond após a publicação. Drummond pode ser usado a figura deste sátiro, mansueto escrevente de cartório, para revelar a sua repúdia a estes homens que usam as mulheres como galinhas. Vejam a idéia. Quando se come galinha(sexualmente) invariavelmente elas morrem. Quando se come mulheres(por estupro, como é o da galinha) elas também morrem, psicologicamente. Não há forma melhor de matar uma mulher psiquicamente do que estuprá-la, penetrar violentamente no mais íntimo de seu ser. Muitas vezes esses estupradores são homens acima de qualquer suspeita...um...escrevente de cartório....por exemplo...pacato e honesto. O símbolo é forte. Por isso Drummond experimentou a linguagem bruta, incomodativa.
Um gênio.
Do mesmo livro gosto também de A FOLHA. Transcrevo abaixo. Deliciem-se
A FOLHA
A natureza são duas.
Uma,
tal qual se sabe a si mesma.
Outra, a que vemos. Mas vemos?
Ou é ilusão das coisas?
Quem sou eu para sentir
o leque de uma palmeira?
Quem sou eu para ser senhor
de uma fechada, sagrada
arca de vidas autônomas?
A pretensão de ser homem
e não-coisa ou caracol
esfacela-me em frente à folha
que cai, depois de viver
intensa, caladamente,
e por ordem do prefeito
vai sumir na varredura
mas continua em outra folha
alheia a meu privilégio
de ser mais forte que as folhas.
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