Quando minhas filhas eram pequenas, gostava de levá-las ao parque municipal aqui de minha cidade, Belo Horizonte. Havia brinquedos gratuitos e um escorregador relativamente alto. Eu estava com uma delas nesse local quando um menininho de mais ou menos 5 anos caiu da rampa do escorregador, logo em minha frente. Abaixei-me para socorrê-lo, com minha experiência de pronto-socorro, que àquela época eu tinha. Pensei em primeiro conversar com ele, para saber se estava lúcido ou confuso, depois averiguar se havia fraturas, sem levantá-lo ou mexer com suas articulações, como eu havia aprendido em meus primeiros socorros. Ele estava estático, talvez pelo susto, com olhos bem abertos. Nisso vi uma mulher correndo desesperada em minha direção(era a mãe do menino). Ao mesmo tempo que corria, gritava o nome dele. Em minha frente pegou o menino do chão com toda força possível, balançou-o várias vezes no ar, depois me deu um tapa no rosto e saiu correndo com ele no colo, não sei para onde. Esta cena nunca me saiu da memória. É paradigmática de como, em momentos de pane, nossa intuição é falha. Aprendemos em medicina que quanto mais grave é a situação, mais calma devemos ter. Na verdade, num momento de pânico são exatamente os mais calmos, que conseguem pensar conscientemente, que se salvam. Meu consultório fica numa região chamada "área hospitalar". Quando construiram a cidade de Belo Horizonte pensaram que era interessante que hos hospitais ficassem todos perto uns dos outros. Típica situação de intuição falha. Seria melhor que fosse um em cada bairro. Mas, vá lá, os hospitais ficam por ali próximos uns dos outros e é uma circulação muito grande de doentes pelas ruas. Frequentemente vemos pessoas necessitando socorro. Inevitavelmente o socorro é errado. Vou escrever sobre o mais curioso dos socorros, que eu vejo todos os dias. Uma senhora velhinha vem andando pela rua e de repente cai, porque tropeçou ou porque perdeu os sentidos, seja por que motivo for. A primeira coisa que o acompanhante faz é imediatamente levantá-la. Em seguida alguém vai correndo buscar um copo com água. A velhinha se levanta totalmente tonta, alguém lhe dá o copo d'água, o terceiro trata de jogar água fria em sua cabeça. Acho que nessas horas vale uma anti-intuição: faça o contrário do que acha que deve ser feito e estará correto. Se uma pessoa cair, não a levante. Deitada o seu cérebro ficará bem oxigenado porque o sangue fluirá das pernas para a cabeça, levantada o sangue não voltará e ela poderá desmaiar novamente. Não lhe dê de beber, de comer. Ela poderá necessitar uma intervenção cirúrgica e não poderá tomar anestesia se a barriga estiver cheia. Converse com ela calmamente, veja se está lúcida, chame uma ambulância, veja se há algum médico entre os que se aproximam e deixe ele fazer tudo , não interfira. A anti-intuição vale para tudo: envenenamentos, intoxicações, acidentes domésticos. Antes de agir, pense, aja somente se tiver experiência. Tenha sempre à mão o telefone de um médico a quem possa pedir um conselho rapidamente.
Para os amantes da poesia Carlos Drummond de Andrade é um prato maravilhoso. Drummond é profundo, é enigmático, é incisivo. Seu ponto é exato, como a guitarra de George Harrison, a concisão de Machado de Assis(perdoem-me os exemplos tão díspares, mas foram os que me ocorreram nesse momento). Mesmo quando estamos diante de um suposto Drummond menor, somos surpreendidos. Vou dar um exemplo: encontra-se no livro A PAIXÃO MEDIDA, um dos que mais gosto. Leio o poema O SÁTIRO e o acho bobo, grosseiro, indigno de Drummond. Mas acontece que trabalho com violência sexual. Sou médico e atendo à mulheres em situação de violência sexual e doméstica todos os dias. De repente, o poema de Drummond soa como uma bomba para mim. Corro ao dicionário e a minha suspeita se personifica. É um poema simbólico, tem uma dimensão maior. Vou escrevê-lo abaixo e tentar explicar a dimensão que consigo ver nele. O SÁTIRO Carlos Drummond de Andrade(do livro A Paixão Medi
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