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O AUTISMO DOS AEROPORTOS

Espanta-me sobremaneira a síndrome de autismo que prolifera em nossos aeroportos. Explico. Nas salas de espera o que se vê são centenas de indivíduos acoplados aos seus tablets, netbooks, notebooks, iphones, ipads, celulares, revistas, livros, etc., num interminável colóquio de conversas que não atingem um milímetro o senhor ou a senhora ao lado. É incrível como eles conseguem entender os chamados, encontrar as salas corretas, ouvir o chamado dos portões, levantar no momento certo, sem, em nenhum momento, se livrar do fone de ouvido, dos aparelhos de estimação, dos celulares. Vai andando em fila aquele bando de sonâmbulos e egoístas como se somente cada um deles estivesse ali presente. De quando em vez, dois amigos, ou uma esposa e um marido, entabulam uma conversa, o que, em geral, desagrada aos demais. Outro dia eu estava em uma destas salas de espera, como sempre superlotadas, e não havia uma só cadeira para assentar. Eu estava com minha esposa e procurava pelo menos uma para ela. Encontramos. Esta uma cadeira tinha em cima uma mala e uma mochila de um cidadão que ao lado entrava em suas "redes sociais" de seu netbook que estava ligado em uma tomada logo sob sua cadeira. Chegamos. Ele, sem nos cumprimentar(claro), sem dar sinal de vida, mantendo o olhar fixo em seu netbook, retirou sua mochila e mala da cadeira ao lado para minha esposa se assentar. Só então reparei que ele estava em sintonia conosco. Pensei que não nos tivesse visto. Quando ela se assentou, agradeceu, mas ele não respondeu(é claro). Algumas palavras andam sumidas no mundo de hoje: obrigado,bom dia, com licença, parabéns. O que mais me irrita é terem substituído o "com licença" pela cutucadinha nas costas. Explico também. Você está em um elevador(cheio, como sempre), o elevador está a meio caminho entre o andar de baixo e o de cima, onde você não vai parar e sim o cara que está atraz de você. Este então lhe dá aquela cutucadinha nas costas, que antigamente queria dizer: com licença, vou parar aqui. O mais interessante é que mesmo antes de você olhar para ele ele já vai passando e te jogando para o lado. Aliás, os autismos criam braços. Agora ele está nos aeroportos, antes estava somente nos elevadores. Hoje as pessoas sobem e descem os elevadores conversando, mas consigo mesmas. Ao celular, sempre, falando alto, assuntos pessoais, e o popular nãotonemaísmo para os demais. Não quero ser um novo Arnaldojabor e ficar dizendo: no meu tempo era assim, tá tudo erradom, etc., mas o autismo do mundo moderno me incomoda, isso me incomoda. Percebo, ao contrário, que as antigas atitudes são muito bem-vindas quando alguns raros dinossauros persistem em mantê-las. Certo dia uma cliente me enviou um elogio por email. Disse-me que na clínica onde trabalho sou o único médico que dá bom dia e boa noite quando chega e quando sai do consultório. Gostei muito do elogio, mas ele significa muito como algo tão elementar da educação humana vai sendo esquecido em nosso mundo autista. Uma cliente que referendei a outro médico ficou muito brava comigo porque esse meu colega não dava importância a seus problemas psicológicos e tão somente a suas queixas físicas. Tentei explicar mas não teve jeito, ela acabou não indo lá mais. Outra que referendei a outro colega ficou brava porque este só chegava com uma hora de atraso. Eu mesmo experimentei o problema do atraso médico na última consulta que fiz e prometi a mim mesmo não voltar mais naquele profissional. Vamos vivendo em um mundo em que a comunicação se dá pela atitute e não pela referência. É um mundo moderno. É um mundo diferente. É um mundo de dificil adaptação.

Comentários

  1. Durante toda a história humana o indivíduo foi massacrado pelas normas sociais. Ninguém tinha direito à individualidade. Uma das conquistas do capitalismo é essa capacidade do sujeito ter alguma margem de escolha individual sobre seu destino, coisa recente, depois dos anos 1960. A cidade grande ajuda, ninguém cuida da vida de ninguém, para o bem ou para o mal, os mexericos foram sublimados, despersonalizados, virtualizados, na figura das celebridades da televisão, do cinema, da cultura pop. Só um exemplo, muita gente atribui a libertação da mulher à luta de mulheres de esquerda engajadas como Rosa de Luxemburgo. Falso, quem libertou a mulher foi o capitalismo, seu poder avassalador de desarraigar o sujeito de toda e qualquer cultura local, e a imensa maioria das culturas locais era patriarcal e machista. O desarraigamento gera crise, o sujeito deve se virar para procurar seu próprio caminho, mas gera também isolamento, individualismo neuratizante e estupidificador. Estamos presos nesta cilada e nada indica que seu lado revolucionário vá ter efeitos benéficos em nível macro-social se não vier acompanhada de novos meios de socialização. Assim esse processo de desarraigamento/individualizção poderá se tornar um processo revolucionário de individuação ou seja constituição de forma complexa de cada indivíduo livre na interação com outros indivíduos livres. Isso tem nome: comunismo.

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  2. Oi Ramon, achei super interessante seus comentários e já faz tempo que não consigo ver com naturalidade a maneira fria e distante que as pessoas se comportam nestes ambientes, como também não consigo entender a correria ao levantar dentro do avião logo na chegada no destino, todo mundo apertado querendo retirar suas malas e bolsas simultaneamente.

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