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O INTERIOR DE MINAS ESTÁ SEM MÉDICOS. EU EXPLICO O POR QUÊ.

Escrevo esta postagem após ler notícia do jornal Estado de Minas intitulada: DISPUTA POR MÉDICOS NO INTERIOR ELEVA SALÁRIOS PARA 16,8 MIL. Segue-se o relato de todas as inúmeras cidades que têm dificuldade em obter e principalmente em manter médicos no interior de Minas, e as explicações dos prefeitos sobre o porquê da dificuldade em contratar médicos. As explicações dos prefeitos são inúmeras, mas as verdadeiras só estão no fim da matéria quando são entrevistados os coordenadores do CRM. Eu próprio passei por esta experiência por dois anos. Não vou contá-la a partir do que me aconteceu lá, mas a partir do que acontece todos os dias em Belo Horizonte. Se passearem pela área hospitalar de manhã verão um caos de ambulâncias e vãs do interior procurando lugar para estacionar, fechando ruas, revezando estacionamentos, etc... Em alguns casos, as prefeituras enviam carros para guardar os estacionamentos de madrugada e quando as vãs chegam ocupam os estacionamentos(claro, de rua, porque eles raramente ficam em estacionamentos particulares) e os guardadores de vaga retornam às suas cidades.Após chegarem, desembarcam o gado humano para as consultas do dia, que superlotam os hospitais públicos do bairro. De quem é a culpa desse caos? Claro, do Estado(Estado Brasil, Estado de Minas, e próprias prefeituras). Simplesmente há um esquema de saúde pública no interior que não funciona. Depois que trabalhei por dois anos numa cidade do interior localizada há 100 km de Belo Horizonte, me deu medo de morar no interior. Inúmeras vezes vi pessoas com dificuldades imensas de transferência(seja para as cidades polo da micro-região)seja, principalmente, para Belo Horizonte. Vou apenas relatar um caso acontecido quando eu trabalhava nessa cidade. Uma paciente grávida de gêmeos e hipertensa entrou em trabalho de parto prematuro, ela estava, se não me engano, com seis para sete meses de gestação. Expliquei à equipe do Centro de Saúde(esta cidade não tinha hospital) que a paciente precisaria ser encaminhada a uma cidade maior, de preferência que tivesse CTI neonatal, porque os gêmeos provavelmente iriam precisar desse atendimento. Após introduzir medicação para interromper o trabalho de parto prematuro(o que se consegue somente por um tempo) começamos a ligar para as cidades próximas que tinham hospital para transferirmos a paciente. Acrescente-se que há um convênio das prefeituras das cidades menores com estas maiores para que isto seja feito, estas cidades polo recebem para isto. Bem, nenhuma delas aceitou a paciente, alegando falta de vagas. Tivemos que tentar vagas em Belo Horizonte. Durante o dia inteiro ligamos para "todos"os hospitais de Belo Horizonte, todos alegaram falta de vagas. Ao final da tarde retornei em Belo Horizonte, a paciente passou a noite no posto de saúde inibindo o trabalho de parto, até que conseguimos uma vaga para ela e ela pôde ser transferida. Seus bebês realmente precisaram ficar no CTI, mas sobreviveram. Relato esse caso como exemplo, mas imaginem, e eu vi isto várias vezes, se o mesmo caso se der com um enfartado, por exemplo, ou com um caso de envenenamento, mordida de cobra, hemorragia,acidente rural(tão comuns no inteior)? O que acontece, na prática, é que os médicos não têm recursos para trabalhar. Mesmo ganhando um bom salário(o bom salário do médico geralmente fica muito acima do que a prefeitura paga aos seus demais funcionários, o que causa dificuldade para elas), uma hora o médico não aguenta mais. Se realmente for um cara disposto a viver nesta cidade mesmo passando por tudo isto, ainda corre sempre o risco de ser demitido, pois as prefeituras sempre estão numa penúria financeira e há sempre a mudança de prefeito e o apadrinhamento. Este é o quadro. Acredito até que o principal problema não é quanto se paga ao médico, mas em que condições ele vai trabalhar. Os pacientes não os poupam quando algo de ruim acontece, podem acusá-lo de qualquer falha, e a falha, sem aparelhos diagnósticos, sem recursos tecnológicos, em regime de excesso de trabalho, stress profissional, é muito mais provável. A solução, para mim, é interiorizar a tecnologia. Criar hospitais de alta tecnologia capazes de atender a toda uma região em cada polo do estado e regionalizar o atendimento de alta complexidade, ou seja, investir. Os médicos do interior devem ser concursados e obterem estabilidade no emprego, pois se perdem o emprego têm dificuldades para encontrar outro nos centros maiores, onde a competição por cargos é maior. Os salários devem ser compatíveis com os das outras autoridades da cidade, pois médicos são os profissionais de longe mais" IMPRESCINDÍVEIS" à vida nestes locais.Eu jamais moraria numa cidade sem médico, ou de médicos transitórios, ou de assistência de saúde duvidosa, ou sem hospital bem aparelhado. Minha experiência no interior foi muito rica em conviver com pessoas e pacientes maravilhosos, e mesmo com gestores bem intencionados e honestos, mas também foi útil para fazer-me decidir a continuar morando em Belo Horizonte, pelo menos até as coisas mudarem, e eu espero sinceramente que elas mudem muito rapidamente..

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