Sábado é o dia em que eu deveria acordar tarde, porque nos
dias úteis tenho que trabalhar bem cedo. Minha mulher reclama que sempre a
desperto antes da hora. Ela gosta de dormir até as dez e mesmo que eu tente
levantar-me na ponta dos pés, nem usar sapatos antes de sair, não consigo fazer
com que não se vire na cama e abra os olhos, interrogativa. Definitivamente, acordar cedo é minha sina,
mas esse hábito tem suas vantagens. Em geral entre cinco e seis da manhã é um
instante silencioso, já que as porteiras do povo-gado em geral se abrem às sete.
Posso ler um livro sossegadamente, observar o sol nascendo, refletir um pouco, ou mesmo fazer o mais secreto de meus afazeres: admirar minha
mulher dormindo seu sono de ninfa.
Mas por que estou iniciando esta história assim, se não é
nada disso que quero escrever? Sei lá.
Neste
sábado, como sempre, já estava de pé às cinco, fui à padaria, comprei pão,
preparei a mesa de café, lavei talheres, li
meu livrinho matutino, fui fazer minha caminhada. Eu sempre espero que os
sábados sejam dias de oásis. Gosto de ficar a toa. Não gosto de sair de carro
porque este é um dia em que as pessoas tiram para fazer o que não fizeram na
semana, e eu odeio ser igual a todo mundo. Eu gostaria que todos os sábados, de todas as pessoas, fossem pacíficos, introvertidos, contemplativos. E assim foi até a hora do almoço, quando resolvi ligar a TV. Na
verdade eu queria ver um joguinho qualquer, mas
não estava passando e fui girando os canais. Estacionei em um canal ,
acho que na Rede Bandeirantes enqunto ia à cozinha buscar um suco e quando voltei à
sala de TV não deu tempo de não ver a notícia horrível.
Uma câmera de rua filmava o instante em que dois garotos de
treze anos assaltavam um carro. O motorista, um policial de folga, abriu repentinamente a porta do automóvel e saiu atirando. Um dos meninos correu e o
outro caiu estatelado no chão, atingido pelo revólver do policial. A cena já era
chocante, por si, mas o helicóptero da TV que rondava o local sobrevoou o local
do crime e mostrou o menino, que era bem pequeno, morto na calçada, na posição
fetal, rodeado pelos curiosos. O
helicóptero ficou rodando sobre o o passeio mostrando o menino no chão, morto,
parecendo um bebê, enquanto o comentarista da TV discursava sobre quem era o
policial, sobre o local da ocorrência, sobre o fato de que o repórter do canal
estaria lá em poucos minutos para saber
mais sobre o caso, sobre a falta de segurança em São Paulo, etc.
Fiquei paralisado diante da televisão, o copo de suco, pela
metade, suspenso em minha mão direita. Meu coração disparou. Foi como se fosse
a primeira morte que eu havia visto em minha vida. Chorei por aquela criança
ali no chão. Chorei por sua família, chorei pelo meu país, tão infeliz, chorei
por mim que moro aqui.
Eu tinha que tomar algumas decisões rápidas: continuar
assistindo ou mudar de canal ? Esquecer ou lembrar? Engolir ou revoltar-me?
Corri ao computador e acessei o site da emissora. Na cessão
de contato, escrevi um email dizendo que era contra a espetacularização da violência. Reclamei de colocarem cadáveres de
crianças no ar e nada fazerem para mudar a situação da cidade, de se nutrirem
do caos.
Voltei à TV pensando no que fazer. Mudei de canal. No 39
estava passando Arsenal x Southamptom.
Um joguinho ruim, que assisti até o final. Depois almocei e voltei ao
meu livrinho.
Todos os sábados deveriam ser um oásis em nossa vida.
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